quarta-feira, fevereiro 03, 2010

fora ou dentro



uma cortina de tecido duvidoso, de cor desbotada, com alguns dos rodízios (aquelas coisas amarelinhas que permitem que ao puxar fortemente o tecido ele faça o barulhinho típico de início de dia) caindo do trilho. o próprio trilho um pouco sujo, com marcas de ferrugem deixando os parafusos que o prendem a parede bem à vista. eu quero cortinas novas neste apartamento que antes de ser meu (mediante um contrato de locação) já deve ter sido de tantos outros. não são só as cortinas que eu quero trocar; ter tantos quereres referentes a um só lugar - o lugar onde se passa pelo menos metade de todos os dias - da a impressão de ter que se inventar de novo. não é coerente se mudar. não é coerente levar tudo o que já se tinha e se era em outro lugar e apenas colocar em uma nova caixa; a forma de organizar o conteúdo o modifica.
muitas vezes, ao organizar uma caixa com materiais (trecos), o fato de tentar e retentar disposições acaba fazendo com que se joguem coisas fora. com que se consertem outras; com que repensemos a utilidade de cada objeto que queremos guardar. às vezes se descobre que na realidade a caixa é desnecessária. em outros casos a caixa é atraente; paramos as compras no supermercado para voltar na seção de organização e pegar uma caixa de papel revestida com papel verde brilhante - mas não temos nada pra por dentro.
não sei se gosto do apartamento; nem sei se tenho algo para por dentro.

quinta-feira, julho 17, 2008

através do espelho

faz mais de um ano que eu não escrevo aqui. não quero fazer desse fato nenhum acontecimento: acho que sempre escrevi sobre mim, apesar de nunca ter adotado a forma "hoje eu...". hoje eu quero adotar essa forma porque me dei conta de que, pelo menos até o momento, não sou capaz de escrever verdadeiramente em terceira pessoa. digo: não de uma maneira que torne a leitura algo diferente ou mais rico.
ontem eu assisti um filme que, da última vez que eu escrevi aqui, eu já sabia ser bom. eu não o vi até o fim, mas mesmo assim foi algo de certa maneira marcante: buenos aires 100km vem mais ou menos do mesmo lugar que eu e, por mais evidente que isso seja o tempo todo, para mim isso mostra que existem coisas que vão além do que o uma legenda consegue reproduzir e que essas coisas são essenciais para a formação de um indivíduo. talvez seja por isso que eu goste de padrões com pequenas falhas ou detalhes escondidos: não serve comunicar diretamente, pelo menos não quando se trata de comunicar a um grande número de pessoas; é preciso criar uma pequena rede com cada um que vê/lê/escuta/toca/degusta o que se quer mostrar.
eu, em primeira pessoa, como eu disse no primeiro parágrafo, me senti incrivelmente bem assistindo a esse filme por conseguir achar
nele pequenos detalhes que fazem parte de mim, mas que muitas vezes ficam perdidos no meio de exentricidades, particularidades, detalhes pessoais. o fato de os personagens preencherem todas as lacunas de seu discurso com palavrões, as mãos chacoalhando, os cabelos mal penteados e a sesta até às 16h: são coisas de um país onde não vivi mais do que quatro anos, mas que sempre me envolveu com grandes alegrias e tristezas - mesmo quando eu dizia ser brasileira.

não sei se é por uma tentativa possivelmente em vão de me adaptar aos termos de comunicabilidade do mundo que não é o de alvarez, mas tenho objetivos sérios de continuar desenvolvendo este post por mais outros seis, para tirar os eventuais leitores da ignorância no que tange à autora deste texto e seus compromissos pessoais com a argentina; assim como sobre o que concerne a buenos aires 100km e a outros detalhes que provavelmente passaram batidos.

segunda-feira, abril 02, 2007

quando estiver bem, estarei

quando nascemos, gritando e esperneando, geralmente, não levamos muito tempo para sermos jogados no caldo que dali em diante representará nossa vida. pode ser que passemos alguns segundos ou até minutos livres dele; talvez alguns de nós não se importem de serem arrancados de seu primeiro lar e terem o seu novo habitat decidido por um terceiro, mas, a princípio, o momento em que nossa cabeça é puxada para fora da vagina de nossa mãe é o momento em que somos atirados no caldo e no qual temos que começar a criar um fucking heart e fucking lungs.

no começo, o caldo é claro, quase transparente, pouco espesso, aerado: nossas necessidades são básicas e, na maioria das vezes, elas nos são concedidas sem grandes esforços. nossa aparência ajuda, o choro fácil sublinha o instinto maternal presente em pouco mais de metade da população mundial. temos a opção de ficar na superfície do caldo, mas apesar de parecer o mais fácil a se realizar, pouca gente o faz - por convenção social. é pouco comum os indivíduos que remanescem nessa faixa do caldo não serem chamados de retardados, preguiçosos, especiais, idiotas ou imbecis – entre outros – depois de terem passado, no máximo, dos seus cinco anos de idade. a partir daí, as coisas ficam mais subjetivas.
até o quinto ano de vida - ou de caldo, como quiser - a evolução é quase que tabelada: primeiro, o bebê aprende a mamar na mamadeira, sem a ajuda da mãe; depois aprender a se virar no bercinho. logo, levanta a cabeça e começa a sentir vontade de engatinhar. quando já se sente experiente nessa última atividade, passa a querer andar e para isso começa a se sustentar em apenas duas pernas. quando sabe andar, pode parar de usar fraldas, e assim vai. até que chega aos bancos escolares e se depara com a necessidade de decifrar as letras. até esse momento, todos tentaram seguir o mesmo esquema, e chegaram, todos, a uma profundidade bastante semelhante do caldo. todos precisaram fortalecer seu coração. todos sofreram com a frustração da primeira queda. alguns já ouviram um não.
o caldo engrossa cada vez mais, de acordo com a profundidade; fica cada vez mais azulado, denso, sem oxigênio, nauseantemente viscoso. poucos vêem um motivo para entrar cada vez mais fundo; e menos ainda são aqueles que, além de se aventurar por esses recônditos assustadores, se sentem recompensados satisfatoriamente pelo simples fato de poderem circular livremente por qualquer profundidade do caldo. é bastante mais cômodo, e comum, ficar na profundidade x, na qual ainda se pode falar qualquer tipo de asneira sem sentir culpa, na qual se pode aprender algo novo muito de vez em quando sem se sentir a estagnação nos ossos, na qual simplesmente reconhecer o que está escrito é muito melhor do que realmente pensar no que está entre uma letra e outra. nessa altura, é necessário fazer fazer fazer fazer, é necessário nunca parar, porque os pulmões ainda não são nada, porque o coração ainda não sabe ver que mesmo quando não se faz, se é.
apesar de o caldo ser escuro e pouco atraente, talvez ele seja um refúgio para aqueles que, depois de cansarem seus músculos de tanto escrever até altas horas da noite sem realmente perceber o que se passa a meio metro da sala do computador, queiram dar outra opção aos seus órgãos.
assim como os túneis de nossa saudosa josy, o caldo também tem seus mecanismos de funcionamento: mesmo pulmões muito potentes e corações muito calorosos não agüentam as profundidades mais terríveis por tanto tempo. às vezes é necessário ser um idiota, pensar apenas em mamar, em dormir e chorar. para logo mergulhar fundo de novo. bem vindo ao caldo.


quarta-feira, janeiro 31, 2007

a putinha francesa e o lorde inglês

são duas as coisas que quero escrever neste começo de noite nada peculiar mas única pelo fato de eu estar sentado na frente do computador, usando um programa que nunca usei para escrever meus textos, tentando desenvolver uma idéia fraca, como não a tinha faz já algumas semanas. o texto sai fluido e me dou conta de que as duas coisas que me trazem a este escritório úmido e pálido, contrariando a minha fome, são na verdade dois desdobramentos de um mesmo causo. hoje, pela segunda vez nesta semana, eu liguei a televisão, pus um filme para rodar no aparelho de dvd e fiquei exposto a proporções precisamente equilibradas de claridade e escuridão, vermelho e verde, azul e amarelo. e não só isso, as cores e as texturas em que elas apareciam estavam milimetricamente bem distribuídas por dois roteiros fascinantes, cheios de artimanhas inteligentes e dolorosas. é raro eu viver tanta alegria em tão pouco tempo. ainda mais quando ela vem me cumprimentar exatamente no dia em que sou incumbida com a tarefa de ilustrar o extremo oposto; o tédio e a ausência de cor. você acha que desenhar um pacote de gummibärchen para ilustrar a palavra "cinza" é ok?

domingo, dezembro 24, 2006

comprei um sapatênis e uma vaca

às vezes a saudade é uma coisa maldita, que, como qualquer outro tipo de frustração, serve para colocar o indivíduo que a sente em uma espécie de estagnação, num estado de impedimento. toda e qualquer coisa que venha a me passar pela frente vai me lembrar do objeto saudoso, daquilo que está longe e, sim, de veras impedido. saudade é um sentimento cretino, que tenta imitar a condição alheia, de estar longe, de não poder se curtir - no sentido de que o outro, coitado, que não está perto de mim, não pode fazer nada comigo; então eu, muito gentil, não faço nada comigo mesma também. fico em casa, olhando pra parede, tentando ler e não chegando nunca ao fim da página porque seria descaso de mais com ele, que não pode ler comigo. na realidade a saudade não é um sentimento nada voltado ao outro: eu quero que ele volte porque meu livro está muito interessante e eu quero terminar de lê-lo.


este texto foi postado sem qualquer tipo de edição, num dia quente de fim de ano, baseado na dor de cabeça que sentia. de literário ele nada tem, mas a descrição do sentimento talvez tenha algo de válido. muito obrigada e feliz natal.

quinta-feira, novembro 09, 2006

regina e a xícara de porcelana

Regina olha para a sua xícara e pensa que: 1) já não sabe se está bebendo chá de erva-doce ou se são apenas lágrimas amargas e 2) que é uma sorte que não gostar de leite, ficaria senão rendida ao sentimento de ridículo que a lembrança de certas expressões idiomáticas causa nessas situações. fazia agora algumas semanas que tudo havia acabado e ela ainda não era capaz de ouvir o silêncio à sua volta como algo pelo que havia aguardado por muitos anos. tinha se acostumado ao barulho, à gritaria fora de hora e aos nervos esticados nos momentos mais inconvenientes possíveis. não sabia o que era sentir paz; sentia culpa até por ter tomado a decisão correta: saíra de casa com a escova de dentes vermelha e uma calcinha de seda rosa, deixando para o marido esquizofrênico os 580 m2 de labirintos que mobiliaram juntos ao longo de sua intrincada história a dois.

estava agora sentada a uma mesa nua, sem toalha, de frente para uma parede nua, sem quadros ou cor expressiva. morava em uma quitinete; não porque não tivesse como ter melhor, mas porque o costume de ser tiranizada ainda estava enraizado em seus hábitos forçadamente inconscientes. olhava para o chá e pensava. pensava no nada que sentia por não ter mais a loucura do outro para esconder a sua própria. passara 12 anos diluindo pílulas no chá preto de seu cônjuge e agora tinha que, ela mesma, comprar os florais de Bach que tomaria, seguindo rigorosamente todas as indicações, na intenção de um dia tirar o peso do mundo de suas costas.
no momento em que decidira pegar apenas aqueles dois objetos aparentemente tão incoerentes para alguém que se prepara para a vida em um mundo novo, optara por uma vida pungente, simples e intensa. adquirira o costume, em apenas duas semanas, de se dar pequenos presentes e pensar que cada um deles era responsável por um pouco mais de verdade e conforto em sua vida. o minimalismo material estava ali para desnudar suas emoções e seus pensamentos, que por tantos anos haviam ficado escondidos debaixo da cama king-size, que pouco pela paixão havia feito. mais havia ajudado cada um dos dois a se sentir mais acolhido em sua solidão.

quarta-feira, setembro 20, 2006

i wanted to be a superhero


mas tive que me contentar em ser humana.
agradeço o belo padrão a marcelo issamu, que não sabe disso aqui.